Às Escuras
Estava de folga do trabalho. Tirei o dia para remexer um
antigo baú que pertenceu à minha avó. Lá havia roupas, acessórios, discos,
livros de culinária, fotografias, quadros de bailarinas orientais, narguilés,
álbuns e livros de histórias famosas do mundo árabe, entre eles “As Mil e Uma
Noites”, tudo o que podia me levar em sonhos e realidades à terra de origem da
família.
As roupas eram de fino tecido, algumas de uso cotidiano,
havia lá burcas pretas, e até mesmo, tecidos que cobrem por completo o corpo,
só deixam a cabeça de fora. As de dança eram muito chamativas, coloridas e bem
ornamentadas, havia um vestido longo todo preto com pingentes dourados
pendurados por todo o pano. Algo me chamou a atenção, as roupas de dança eram transparentes
e com aberturas que deixariam o corpo feminino de fora. Pensava que no Oriente
isso não fosse permitido!
Havia também
os véus, de vários tecidos e alguns até de seda, muito leves, acho que usados
na dança, os mais leves davam efeitos mais belos e visíveis aos movimentos. E
alguns discos de vinil. Queria ouvi-los na eletrola que encontrei bem no fundo,
infelizmente, nem todos tocaram.
Entre as músicas,
muitas começavam com ar de suspense, como se uma bailarina fosse entrar toda
coberta e ao longo da dança se mostrar, se exibir e fazer movimentos curiosos e
até mesmo sensuais. Ouvi também um ritmo chamado Derbak, que se assemelha ao
samba do Brasil. Imaginei as bailarinas com o tremido de seus corpos, em
movimentos travados, restritos a uma única parte, geralmente entre o ventre e
os joelhos, apesar das vibrações atingirem todo o corpo.
Lembrei-me
também das danças mais lentas, com taças e pequenas velas acesas que presenciei
em algumas reuniões de família. Nelas, as bailarinas contorciam os corpos de
forma sensual, faziam cambrês, ou quedas para os lados e para trás, e o mais
incrível, mantinham os corpos retos sem perder o equilíbrio. Mas, como estavam
com fogo, às vezes se queimavam. Numa
foto sem data, bailarinas sorriam. Não sei como conseguiam sorrir ao tremer o
corpo daquela forma, em que faziam um grande esforço, no entanto, no rosto,
demonstravam muita leveza.
As
bailarinas, todas maquiadas, cujas cores das sombras se contrastavam com os
tons das roupas. O mesmo contraste que percebo ao pensar na religião e na
sensualidade da dança. E foi dessa cultura que nasceu a dança mais sensual do
mundo!
Achei estranho,
pensava que nessa terra isso não fosse permitido, um local com um governo
rígido, leis severas, mulheres tampadas ao saírem nas ruas, e nunca
desacompanhadas e que sempre desviavam os olhares ao cruzarem com os homens.
Vi muitos
acessórios, colares imensos e objetos para serem usados nas danças, bengala,
espada, jarro e uns pratinhos que serviam como instrumento, chamados snoojes,
os quais as bailarinas tocam ao dançar e acompanham os músicos, no ritmo, como
se fosse uma segunda voz.
Aquele baú despertou
em mim o desejo de conhecer melhor minhas origens.
Fascinado,
eu, Tárik Murad, jornalista de profissão, decidi pegar meus instrumentos de
trabalho e planejar minhas próximas reportagens, que, sem dúvida, vão me
divertir.
Acabo de entrar nesse
novo mundo apelidado por mim de “Terra Proibida” porque desde criança, quando
ouvia meus avós falarem, sempre me contavam histórias fantásticas, relatavam as
belezas dos lugares e os sabores da cultura. A dança também sempre me inspirou
curiosidade, e, claro, desejos! A culinária e as músicas sempre foram presentes
em momentos de reuniões com a família e a colônia, reunião das quais tenho
grandes recordações e enormes saudades. Lembrança de uma infância também vivida
com entes queridos que jamais serão esquecidos...
Comentários
Postar um comentário