Conto "Entre um Gole e Outro"
Ainda me lembro perfeitamente daquela noite,
ela vira transtornada de um espaço do bar, após uma discussão severa com alguém,
um homem que eu não conhecera, só se ouviam as vozes, algumas falas nervosas e
desordenadas, outras pessoas conversavam ao redor e em outros ambientes. Alguns
bebiam, outros jogavam;
Ela, que às vezes, eu só vira pela
noite, não tinha muita intimidade, aparecera muito nervosa, fora de si, o
acusava de desrespeito. Revidavam críticas, trocavam ofensas chulas e
assustadoras, de um nível muito baixo. Em meio às falas ríspidas, ameaças de
ambas as partes.
Alguns presenciavam, alguns tentavam
acudir ou parar a briga, outros ignoravam, e continuavam a se divertir. Os
donos do local, entretidos em servir e atender, atarefados nos arredores, nos
cômodos de dentro nem se importavam. Não podiam se responsabilizar por tudo.
Ela era o amor dele, que ele não
conseguia ter, vivia a tentar, às vezes ficava meio alterado para criar coragem
e agir com maior naturalidade. Isso era perceptível pelo olhar e por alguns
lances dos diálogos.
Interessante que nunca vinham juntos,
sempre se encontravam, e às vezes iam embora de forma discreta ou até
escondida. O bar era bem grande até, fizeram-no nas estruturas de uma casa
antiga, com vários cômodos e umas paredes em posição do que parecia ser um labirinto.
Era fácil a ocorrência de um crime, um assassinato e a fuga despercebida do
assassino. Ele vivia povoado, mas não com o suficiente de pessoas para que
todas as partes ficassem lotadas.
As pessoas começavam a chegar por
volta das dez da noite e por lá pernoitavam até umas quatro da manhã. Alguns
chegavam por volta das duas, pois vinham de outros lugares. Alguns já com
sinais de vidas boêmias, outros como quem vira de casa ou de um mero jantar
familiar.
Ninguém era revistado, mas, até aquela
noite, nunca tinha ocorrido uma briga, ou quaisquer desavenças no local. Nem
mesmo briga de namorados ocorrera já por ali. Até que a discussão se alastrou.
Ela reivindicava que havia sido desrepeitada. E saíra de lá. Ele, para não dar
alarme e nem ser julgado, não falara nada. Descera, buscara outra bebida e
ficara pelo andar de cima quase que solitário. Em uma mesa às escondidas, bebia
mais um licor. Ela voltara sem que fosse vista, passara discretamente pela
escada lateral, que não tivera acesso ao andar de baixo. Apenas os funcionários
podiam ver. Subiu ainda nervosa, esquecera uma jaqueta, e tivera que buscar.
Minutos após sua volta, nunca mais
fora vista viva. Ele a assassinara a sangue frio. Dera-lhe um golpe certeiro. E
escondera a luva suja de sangue. Deixara o corpo em um canto qualquer. O sangue
escorrera, mas ainda não fazia vistas. Já eram quatro e meia da madrugada, o
estabelecimento fecharia às cinco; e como de praxes, os donos gritavam: ainda
tem alguém em cima? E como não ouviram vozes, apagaram a última luz, trancaram
a porta e foram fechar o primeiro andar, todos os clientes já tinham se
retirado.
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