Conto Vidas Roubadas
Capítulo
V
Infelizmente, mesmo com um filho muito
novo, Fabrício não foi dispensado da batalha. Seus superiores alegavam que sem
ele, muito bom estrategista, a batalha estaria perdida. Ele receberia proteção
especial para liderar todas as frentes. Havia infiltrações muçulmanas por todos
os cantos. A equipe do sul do país era a maior e a mais bem preparada. Fabrício
pediu aos chefes de Estado africanos que cedessem um grupo de amazonas para
ajudar nos enfrentamentos. Eu não tive escolha. Com meu filho pequeno nos
braços instalei-me na casa dos meus pais, mas dentro de alguns meses, deixaria
o garoto em segurança e me uniria a Fabrício.
As notícias dele demonstravam que ele
estava bem. Eu sabia que, às vezes, ele se expunha demais para proteger os
homens os quais comandava, entrava em posições estratégicas de ataque e corria sérios
riscos. Mas como tinha muita experiência, conseguia escapar com maior
facilidade dos ataques.
Um ataque surpresa dos árabes feriu
grande número de cristãos. As amazonas entraram em defesa e essa se tornou a
batalha mais sangrenta liderada por Fabrício. Essas guerreiras africanas eram
extremamente sanguinárias e valentes. E, raramente, participavam de uma batalha
para perder.
O plano estratégico era render os
inimigos também de surpresa, enfrentando-os sem armas, mas com luta.
Nos primeiros enfrentamentos, as
amazonas fizeram com que os guerreiros do lado oposto recuassem, e até
fugissem. Os grupos ficaram dois dias sem enfrentamento para depois atacarem de
forma mais incisiva. Mas, na noite seguinte, os árabes atacaram o acampamento
dessas mulheres e mataram cinco delas. As companheiras prometeram vingança e
essa foi a parte mais sangrenta, a pior batalha, até então.
Muitos árabes foram decapitados por elas,
e a cada morte de um inimigo, colocavam uma marca visível no pescoço para
contar a vitória de mais um enfrentamento.
No acampamento, as amazonas ensinavam
aos companheiros, as técnicas de enfrentamento corporal para serem mais ágeis
nas futuras batalhas. Alguns voluntários até se apaixonaram e tentaram ter
relacionamento com elas, mas não conseguiram nada. A fome e a sede também eram
grandes e os alimentos eram cada vez mais escassos. Os alimentos doados ainda
chegavam nos campos de concentração, mas não eram suficientes.
Manchetes mostravam os pedidos de paz
do mundo todo, no qual as pessoas imploravam pelo fim dessa guerra devastadora
de cristãos.
Até crianças passavam a ser recrutadas
e treinadas para o combate. As comunidades cristãs em desespero faziam
manifestações por todas as partes do mundo para que a intolerância acabasse o
mais rápido possível. As comunidades
ocidentais queriam levantar bandeira branca, mas as do oriente queriam
continuar. Ainda tinham a ilusão em fazer o mundo inteiro muçulmano.
As
notícias que chegavam das crianças e de cada pequeno ferido faziam Fabrício
pensar em nosso filho. Ele cuidaria para salvar suas vidas. Pensava e lamentava
pelas mães aflitas que não sabiam do destino do seu ente querido.
Chegou, de repente, uma legião de
ingleses, e com isso, as crianças foram retiradas de cena. A intenção era
ajudar os brasileiros católicos e eles enfrentariam um grupo tão fanático pela
primeira vez. E facilmente, venceram a primeira batalha. As bombas estouradas
por debaixo da terra ficavam em posições estratégicas e mataram muitos dos
novos guerreiros, que não estavam acostumados com o chão onde pisavam. Com medo,
os ingleses se instalaram em esconderijos e pediram reforço em equipamentos
sofisticados para rastrear depósitos de explosivos.
Nesse curto período de trégua e
estudos, mais alimentos doados pelas nações solidárias chegavam em grandes
navios e foram distribuídos entre as crianças, idosos e mulheres,
posteriormente aos homens.
Os jornais noticiavam o período de paz
que estava se instalando nos campos de batalhas achando que finalmente seria o
fim.
Enfermeiras
voluntárias foram chamadas e levadas ao encontro dos feridos e passaram a
cuidar deles para que voltassem para casa. Dez ônibus ambulatoriais chegaram
com voluntárias de todas as partes do mundo, muitas eram esposas e mães.
No entanto, os islâmicos voltaram a
atacar. E para atingirem mais a ira dos árabes, feriram algumas mulheres que
por descuido andavam pelo centro da cidade tão destruída. Isso fez com que os
homens que ainda não haviam entrado na batalha atacassem os infratores. Eram
civis, pais e esposos das vítimas. Esses lutavam com as poucas armas que tinham
e em duelos, tentavam vingar a perda dos familiares. Foram mortos também, mas
feriram muitos recrutas.
Fabrício em apoio às famílias
colocou-se na luta e num enfrentamento corporal foi gravemente ferido e levado
para o ambulatório.
Ele
ficou tão desfigurado que eu não o reconheci de imediato. Eu estranhei não ter
noticias dele e quando me aproximei, pensei tratar-se de um engano. Fabrício
acordou do coma sofrido e percebeu que eu cuidava de um transfigurado.
Mostrou-me a medalha que eu dera a ele no período em que estudávamos juntos.
Ele a carregara por mais de trinta anos. Aliviada por estar vivo, eu o abracei
emocionada.
O saldo negativo de mais de dez mil mortos, e
um número incontável de feridos foi anunciado pela ONU. Por dois anos, as
autoridades dos países se encarregaram de resgatar corpos e os que sobreviveram
foram levados de volta para casa. Alguns foram transportados por aviões, outro
por navios e foram cumprindo seus destinos, muitos morreram na viagem para
casa, outros conseguiram chegar vivos, mas ao encontro com as esposas ou
filhas, não resistiram.
Os governos prepararam fundos para
auxiliarem no tratamento dos doentes e deram apoio às famílias, às viúvas e
filhos que perderam os pais para conseguirem viver até se estabelecerem
totalmente.
Passei dias e noites acordada
esperando que Fabrício se recuperasse, certa de que o manteria vivo por mais tempo por conta de
tanto amor. Cuidei dele, mas sabia que ele não conseguiria andar, provavelmente
por ter sido ferido na espinha. Ao se perceber paralítico, Fabrício tem ímpetos
de desespero e tenta o suicídio, mais de uma vez, ingerindo medicamentos. Eu,
de maneira eficiente, limpei todo seu estômago não permitindo sua morte.
A
aceitação veio lentamente, após um ano e meio na cama, esse seria o seu destino
e que tentar se matar seria muito pior. Decidiu, então, viver da melhor forma o
pouco de tempo de vida que ainda lhe restava. Poderia ser anos, meses ou dias.
Com o passar dos meses, os seus órgãos foram perdendo as funções e eu sempre ao
lado dele cuidando dedicadamente.
Foi num dia de Domingo, que Fabrício
morreu em seu leito, sem um único descuido da minha parte, onde me foi dado o
último adeus. Eu ainda tinha meu filho para cuidar, porém sem condições, passei
a deixá-lo com a madrinha, para que ela me auxiliasse na sua criação. Com uma
dor insuportável na alma, pedia para seguir com meu marido o mesmo final. Por
mediunidade, nos comunicamos e tive a certeza que em breve iria ao seu
encontro.
Tanto
castigo por não tê-lo comigo, seguidos de muito sofrimento. Não houve
vencedores, apenas os que perderam a vida e os que deixaram ir o seu amor...
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