Entre um gole e outro
2016
Capítulo 1:
Ainda me lembro perfeitamente daquela noite,
ela vira transtornada de um espaço do bar, após uma discussão severa com alguém,
um homem que eu não conhecera, só se ouviam as vozes, algumas falas nervosas e
desordenadas, outras pessoas conversavam ao redor e em outros ambientes. Alguns
bebiam, outros jogavam;
Ela, que às vezes, eu só vira pela
noite, não tinha muita intimidade, aparecera muito nervosa, fora de si, o
acusava de desrespeito. Revidavam críticas, trocavam ofensas chulas e
assustadoras, de um nível muito baixo. Em meio às falas ríspidas, ameaças de
ambas as partes.
Alguns presenciavam, alguns tentavam acudir
ou parar a briga, outros ignoravam, e continuavam a se divertir. Os donos do
local, entretidos em servir e atender, atarefados nos arredores, nos cômodos de
dentro nem se importavam. Não podiam se responsabilizar por tudo.
Ela era o amor dele, que ele não
conseguia ter, vivia a tentar, às vezes ficava meio alterado para criar coragem
e agir com maior naturalidade. Isso era perceptível pelo olhar e por alguns
lances dos diálogos.
Interessante que nunca vinham juntos,
sempre se encontravam, e às vezes iam embora de forma discreta ou até
escondida. O bar era bem grande até, fizeram-no nas estruturas de uma casa
antiga, com vários cômodos e umas paredes em posição do que parecia ser um labirinto.
Era fácil a ocorrência de um crime, um assassinato e a fuga despercebida do
assassino. Ele vivia povoado, mas não com o suficiente de pessoas para que
todas as partes ficassem lotadas.
As pessoas começavam a chegar por
volta das dez da noite e por lá pernoitavam até umas quatro da manhã. Alguns
chegavam por volta das duas, pois vinham de outros lugares. Alguns já com
sinais de vidas boêmias, outros como quem vira de casa ou de um mero jantar
familiar.
Ninguém era revistado, mas, até aquela
noite, nunca tinha ocorrido uma briga, ou quaisquer desavenças no local. Nem
mesmo briga de namorados ocorrera já por ali. Até que a discussão se alastrou.
Ela reivindicava que havia sido desrespeitada. E saíra de lá. Ele, para não dar
alarme e nem ser julgado, não falara nada. Descera, buscara outra bebida e
ficara pelo andar de cima quase que solitário. Em uma mesa às escondidas, bebia
mais um licor. Ela voltara sem que fosse vista, passara discretamente pela
escada lateral, que não tivera acesso ao andar de baixo. Apenas os funcionários
podiam ver. Subiu ainda nervosa, esquecera uma jaqueta, e tivera que buscar.
Minutos após sua volta, nunca mais
fora vista viva. Ele a assassinara a sangue frio. Dera-lhe um golpe certeiro. E
escondera a luva suja de sangue. Deixara o corpo em um canto qualquer. O sangue
escorrera, mas ainda não fazia vistas. Já eram quatro e meia da madrugada, o
estabelecimento fecharia às cinco; e como de praxes, os donos gritavam: ainda
tem alguém em cima? E como não ouviram vozes, apagaram a última luz, trancaram
a porta e foram fechar o primeiro andar, todos os clientes já tinham se
retirado.
Lá ficara o corpo por um dia inteiro.
Passara a noite, sozinho, nos seus últimos suspiros de agonia e o sangue
escorrendo pelo salão. Fora descoberto pelo dono na tarde seguinte, o cheiro já
não escondia mais o crime. A polícia fora acionada e a perícia viera investigar
às pressas e tentar reconstituir. Abriu-se uma investigação. Todos eram
suspeitos, principalmente donos e funcionários que possuíam duas entradas de
acesso ao local do crime. Os clientes receberam avisos dos donos do bar para
comparecem ao local e foram alertados pela polícia também. Todos foram, e se
aterrorizaram como as marcas da violência que ainda estavam lá. Não havia um
que não fosse suspeito. E assim, aos
interrogatórios, fechamento do local e exames, prosseguiram as investigações.
Capítulo 2:
As investigações se iniciaram no outro
dia, logo à tarde, quando os funcionários entraram para começar os serviços e descobriram
o crime. Bateram fotos do corpo e do estabelecimento inteiro, tentaram contato
com os conhecidos da vítima e ligaram para o possível namorado. Pediram que ele
comparecesse para reconhecimento oficial do corpo. Ele foi; e assim, o fez. Deu
o último adeus. Disse que realmente era a sua companheira e que ajudaria para
que o culpado fosse encontrado. Tratou de chamar uns amigos e perguntou se eles
poderiam depor. Avisou amigos e
familiares e cuidou do enterro.
Depois disso, tentou seguir a vida,
algo o atormentava em razão daquela noite. As lembranças do relacionamento
conturbado e difícil ainda eram muito vivas. O namorado era muito possessivo e
ciumento. Dificilmente brigava com os homens dos quais suspeitava, descontava
na namorada. Ambos gostavam de vida boêmia. Foi assim que se conheceram. Foram
com amigos ao restaurante para comer, beber e jogar. Uma partida de sinuca fez
com os grupos se aproximassem e fizessem amizade. Trocaram telefones e
começaram a se encontrar para cafés e, às vezes, jantares. E com o passar do tempo, as idas juntas aos
lugares para dançar ou reunir com amigos se tornaram frequentes.
No começo, as atitudes de posse e
ciúmes eram mais controladas e nem sempre notadas por ela ou por quem estava de
fora, com o tempo, os sentimentos foram se intensificando, tanto os bons,
quanto os ruins.
Alguns amigos chegaram a se afastar,
mas depois voltaram, e no correr dos dias, as festas se tornaram mais caseiras,
alguns tiveram filhos, outros casaram e ainda queriam curtir a nova casa e a
vida a dois.
Com dois anos de relacionamento,
terminaram o namoro. Passaram um tempo afastados, ela conheceu outro, com quem
ficou mais um ano. Aparentemente eram felizes, pelo menos levavam uma vida mais
tranquila. Mas, algumas vezes, por frequentarem os mesmos lugares, saía alguma
briga ou discussão entre o namorado e o ex. ela ficava bem apreensiva. Mas
depois, se acalmava.
O casal, então, começou a fazer outros
passeios, longe do passado de ambos. Viajavam para outras cidades, iam a
reuniões familiares. Mas com oito meses de namoro, o ex começou a mandar cartas
e e- mails para ela querendo aproximar, mesmo que por amizade.
Ela retribuíra as mensagens, às
escondidas, e conversaram por mais ou menos um ano. Mas ela sempre afirmava que
não queria voltar, que era feliz com seu atual companheiro. E que pretendiam se
casar.
Mas quando o casal completara um ano,
ele mexera com a ex novamente, em um restaurante. Os dois homens se
desentenderam e o casal, por fim, terminou a relação.
As cartas voltaram a ser trocadas, mas
com tons de injúrias e ofensas. Resolveram conversar novamente. Decidira tentar
um novo amor desde que ele se tratasse. E assim foi combinado. Ambos iniciaram
uma terapia para casais e com o passar do tempo, apenas ele ia à médica. Assim,
ficara mais fácil mentir para a parceira. Ele saía e passava o horário em outros
lugares.
Decidira fingir uma mudança aos poucos
para que ela pensasse que o tratamento estava surtindo efeito. Mas, às vezes, o
tom agressivo se manifestava.
Saíram de férias, foram para Veneza,
por lá descansaram por duas semanas sem discussões ou trocas de xingamentos.
Mas, na viagem de volta, uma pequena briga os separa por mais um longo período
de tempo.
Ela não saíra mais de casa, apenas
para trabalhar ou ir à casa de amigas.
Resolveu, então, entrar em site de relacionamentos. E, assim, fora
conversando com homens solteiros da cidade e da redondeza, os encontrava,
conhecia, mas não firmara nada, talvez buscara o ex, tão marcante, nos demais
pretendentes.
Até que conhecera um árabe que mudara
para abrir comércio na cidade. Foi a passeio para Arábia Saudita para conhecer
e entrar no mundo do novo amor. Passara a conhecer a fundo a culinária e o
comércio tornou um restaurante.
Planejavam se casar, ter filhos e
trabalharem para que a empresa crescesse. Foram para São Paulo, e fizeram
cursos para aperfeiçoar no comércio. Aprenderam novos pratos, e aos poucos o
restaurante foi ganhando fama e funcionando em mais de um turno. Passaram,
então, a fazer revezamento e algumas noites, ela ficava sozinha.
Seu ex, ao saber dos dias alternados,
passara a frequentar, com desculpa de jantar, ou de gostar da culinária, mas ia
apenas nos dias em que apenas ela trabalhava.
Sem saber o que fazer, alertou o atual
companheiro, que passara a ir todas as noites para protegê-la. A polícia também
fora alertada e ele foi notificado de que deveria ficar longe dela, caso
contrário, seria preso. Por um mês, ele obedeceu, acreditavam que o pesadelo
finalmente acabara. E assim, viviam em tranquilidade.
Capitulo 3:
O casal de novos árabes como fora
apelidada, iniciaram uma vida felizes juntos. Ela aprendera a cozinhar, fazia
todos os tipos de aperitivos, árabes e de algumas outras nacionalidades, como
japonesa, ou italiana. Serviam os diferentes cardápios das nacionalidades
semanalmente e faziam festas típicas nas noites de sexta, algumas de cada mês.
Vendiam muitos congelados, mas o forte eram os preparados na hora, com o crescimento
do movimento e da fama do local, tiveram que contratar outros funcionários.
Outros dois passaram ater a chave do estabelecimento, fato com que exigira
maior cuidado com dinheiro e com estoque. Além de menor desconfiança, caso o
local estivesse aberto, sem um dos donos presentes.
As noites ficaram famosas, e em épocas
festivas, ou férias, a casa abria às quintas feiras também. Muitos homens iam
ao local ver a beleza da dona do bar, assunto que correram também pelas
redondezas. Mas o namoro ia bem. Seu novo amor não era possessivo, só zelava,
afinal, tinham medo do ex. Ele poderia fazer uma loucura.
Até que um dia chega um homem muito diferente
na redondeza, com cara desconhecidas, hábitos mais refinados, pelo menos é o
que parecia. E passou a observar os horários que ela descuidadamente ficara
sozinha no bar, geralmente umas duas horas antes do fechamento, e começou a
frequentar inocentemente esse horário. Foi virando amigo, criando intimidade, e
seduzindo a proprietária formosa. Assediara-a de tão forma tão sutil, que ela
cedera e se envolvera sem nem desconfiar. Era o ex que voltara para se
vingar. Por uma semana, ela ficou
envolvida, mas resistira para não trair o companheiro. Na segunda, se entregara
sem saber. Fora um único beijo numa noite no mesmo bar. Ela percebera que era o
ex. Ainda estavam sozinhos. Passado um tempo, os clientes foram chegando
novamente, seu atual namorado não iria essa noite. Tentara fugir, buscara
socorro em vão. Ele se vingara. E naquela noite, lá estava o corpo morto no
bar.
Desfecho:
Na verdade, esse outro eu que a matou
por ciúme incontrolável, amor negado...
Bom, finalmente, a verdade. Eu a
matei! Eu a amava, de forma doentia, mas era amor. Ela era muito bela, chamava
muita atenção de outros homens, dançava e, a meu ver, se exibia. Os seduzia, me
traia, mesmo que isso fosse apenas fruto de minha imaginação.
Hora ou outra, íamos nos separar por
definitivo, eu não suportaria, seria ela e o outro. Meu Outro (outra
personalidade) resolveu o problema, meu ego, meu íntimo incontrolável. Agi por
impulso, mas sou inocente, confesso, foi por amor.
Como afirmei no início da narrativa,
eu nunca conhecera aquele homem de ímpetos incontroláveis, que me habitara
desde a adolescência. Menti desde o início, éramos íntimos há mais de vinte
anos. Mas não era assim com o seu assassino, aquela penalidade criminosa. Às
vezes terminávamos, às vezes voltamos, às vezes estávamos juntos, às vezes
tínhamos um relacionamento aberto. Um eu meu a amava, a conhecia profundamente,
o outro não. O outro era obscuro que não se deixava revelar, Não era conhecido
nem nunca se deixara conhecer.
Ele acabou com as nossas três vidas:
essa que conta, a assassina e o alvo de nosso descuido, o meu amor. Ele a
assassinou a sangue frio, e há um mês já tinha tudo predestinado. Sabia cada
ato, cada passo que daria e o local, esse bar fora escolhido pelo tamanho, por
ser uma casa antiga, é feita de muitos cômodos, passagens secretas, labirintos
e lugares os quais apenas os donos conseguem ir. Assassinando-a, eu a guardaria para mim para
sempre. Não a disputaria, jamais
existia alguém entre nós, um terceiro, um amante. Ela sempre voltava para mim.
Conto postado na íntegra
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